domingo, 21 de dezembro de 2008

OUTROS MULUNGUS, OUTROS MITOS


OUTROS MULUNGUS, OUTROS MITOS?
Maria Nely Santos
A despeito do volume das fontes, a historiografia sergipana da escravidão, apresenta-se muito limitada porque poucos estudiosos lhe emprestaram a devida importância. Tal procedimento tem contribuído para que generalizações apressadas, equívocas e controvérsias se estabeleçam como verdades absolutas.

Por exemplo, quando se discute a reação dos escravos ao sistema e aos mecanismos de controle social exercido sobre eles, associa-se automaticamente a palavra “quilombo”. E falar em quilombo é lembrar, obrigatoriamente, JOÃO MULUNGU, transformado e reproduzido para várias gerações no “super estrela” da resistência escrava em Sergipe.

Sem dúvida, na década de 70 do século XIX, foi das figuras mais populares entre os escravos, um dos personagens temidos dos senhores proprietários rurais e dos mais experientes desafiadores dos cercos policiais. Mas, daí, torná-lo único, impar e sobretudo tributar-lhe o titulo de líder do Herói Negro Sergipano, é procedimento no mínimo reducionista.

É preciso dizer que a historia da resistência negra em Sergipe, não foi encerrada quando o tenente João Batista da Rocha Banha prendeu João Mulungu, no dia 19 de Janeiro de 1876, no canavial do engenho Flor da Roda, em Laranjeiras. Apesar de sua captura ter significado o epílogo de uma trajetória de figuras audaciosas e espetaculares, enfim o termino de oito longos anos de vida clandestina, de 1876 ate o ano de 1888, outros “MULUNGUS” existiriam merecendo cuidadosas pesquisas e analises.
Na verdade, este artigo trata da temática, RESISTENCIA E PROTESTO cujo objetivo é passar em revista alguns autores como LAUREANO, FRUTUOSO, DIONÍZIO e SATURNINO, cujas historias permanecem ainda empacotadas no Arquivo Público do Estado de Sergipe e no Arquivo Judiciário.

Salvo melhor o juízo, a documentação relacionada ao combate, destruição de quilombos, captura de escravos, assinala o ano de 1876 como aquele em que o alferes, depois tenente e finalmente capitão João Batista da Rocha Banha, surgiram na cena de toda as diligência nas matas dos engenhos de Divina Pastora, Laranjeiras, Maruim, Rosário, Siriri e Capela.

Desse modo, seis meses depois, vamos encontrá-lo em ação. Desta feita no Engenho Aroeira, efetuando a prisão de LAUREANO, escravo do Cel. Antônio de Siqueira Horta, que se achava foragido a mais de oito anos do Engenho Junco. Inclusive, nesse espaço de tempo, tornou-se um dos companheiros permanentes e próximos de João Mulungu, cometendo vários delitos, embora não lhe pesasse qualquer acusação de crime de morte, conforme indica o oficio de 12/06/1876 do mesmo capitão ao então chefe de policia Vicente Caucaes Teles e que aliás, chega a mencionar uma estratégia que deveria ser freqüentemente praticada pelas autoridades, ou seja, a utilização do ex-quilombolas como guia das expedições repressivas e preadoras de cativos, como bem ilustra a citação abaixo:

“...Peço permissão a Vossa Senhora para utilizar-me hoje à noite dos serviços dos mesmo escravo para servir-me de guia até dois ranchos consta estarem mais alguns quilombolas” (APES, SP1:378).

Após lutar vários anos para preservar sua liberdade, termina sendo irônico o final da história de Laureano. Somente o exame de outras fontes poderá de fato confirma-lo.

O segundo personagem em análise é frutuoso, evadido desde 1869, do engenho campinhos, de propriedade do capitão Frederico.Integrou-se ao grupo de José da Silva, Manoel da hora e João Mulungu, quando estes já haviam estabelecido um rancho nas terras do engenho sobrinho, proximidades do pé do banco (atual município de Siriri).Recapturado em 1879, fugiu da cadeia da capital em 11 de setembro de 1880, homiziando-se num quilombo nas matas dos engenhos Poxim e Tábua, distante cinco léguas da cidade de Aracaju. Frutuoso foi constantemente perseguindo, apesar do senhor não ter “se importado porque o galé não lhe mal e sim aos outros”.

Se o Capitão Frederico o deixara em paz, o mesmo não se pode dizer da polícia. Duas expedições foram organizadas em 1883. A primeira, composta de vinte praças sob o comando do tenente José Sabino de Brito, dirigiu-se ao quilombo dos engenhos Poxim e Tábua, redundando em completo fracasso. Conseguindo furar o seco, frutuoso se estabelece nas cercanias do engenho Pauá no termo de Capela.

Em 11 de julho do mesmo ano, o tenente comandante daquela vila, Francisco D’Alcântara, notificava ao chefe de polícia:

“Segundo estou informado por paisano, a quem incumbi de espreguiçar a frutuoso,prometendo-lhe eu, ele ter uma gratificação se descobrisse, o que prontamente fez descobrindo o arranchamento em uma mata; porém, que(...) mediante a gratificação de quarenta mil reis visto ser pessoa pobre, e em tal diligência corria muito risco de sua vida (...)estão em um lugar porém separados em três ou quatro ranchos que devem ser cercados em um só tempo.
Estão foragidos, estão bem armados” (APES,SP1:548).

Finaliza solicitando quinze praças e inclusive, consultando sobre a possibilidade de “fazer fogo no galé”. Captura-lo vivo ou morto tornou um ponto de honra das autoridades.

Infelizmente a documentação analisada não possibilitou o conhecimento dos resultados desta diligência e conseqüentemente o destino de frutuoso, que diga-se de passagem, conseguira a incrível façanha de sobreviver por mais quinze, em liberdade.

Quem se der ao trabalho de recensear os escravos fujões de 1881, terá em mãos uma lista relativamente extensa. Arrisco-me a conjetura que a maioria reavida e tal aconteceu, deveu-se muitos mais a iniciativa dos próprios senhores naturalmente inconformados por perderem sua força de trabalho, do que a própria polícia. Obviamente jamais dispensaram o aparato policial. Entretanto, à medida que as fontes são inquiridas, deixam-nos a impressão de que a concentração de esforços e o maior interesse da polícia, estavam direcionados para os escravos líderes e/ou os já pronunciados pela justiça.
Por exemplo, 1886, o chefe de polícia João Batista Costa Carvalho, fez circular um memorando por várias vilas da província, especialmente Divina Pastora, Riachuelo, Laranjeiras, Maruim e Capela, recomendando capturar o escravo Dionízio que se “acha à frente de uma quadrilha de salteadores atacando as propriedades agrícolas. O assassino é mulato, magro, baixo,tem cabelos anelados e preto, barba pouca somente embaixo do queixo, fala às vezes fanhoso, ombros bem suspensos, pés e mãos regulas, idade 30 a40 anos e uma pequena cicatriz de talho por cima de um dos olhos”(APES,SP1:5480).

Este Dionízio tão detalhadamente descrito escapara do engenho Cumbe de propriedade de Pedro dias Dantas de Melo e era acusado justamente com Saturnino de haver assassinado o escravo Canuto em 30 de dezembro de 1885. Saturnino é o último personagem abordado neste arquivo e para melhor compreende-lo, é necessário relatar fatos que se seguem.

No dia 21 de abril 1888, dois escravos foragidos foram presos e recolhidos à cadeia da Vila de Laranjeiras.As prisões acompanhadas de espancamento provocaram protestos veemente da população, do diretório do partido liberal além de uma ampla reportagem no jornal “A REFORMA”. Diante da repercussão, o então presidente da província, senhor Lycurgo de Albuquerque Nascimento determinou que tomasse as devidas províncias. Para uma melhor compreensão do fato, reproduzo abaixo trechos do relatório do chefe de polícia, por traduzirem o estado de espírito da província às vésperas da abolição: em Laranjeiras, no ano de 1851 (presumível), escravos de propriedade de João Pinheiro de Fraga, dono de Engenho Flor da Roda.

João Mulungu, amplamente citado por diversos historiadores, inclusive pelo brasileiro Robert Conrad, como o mais importante defensor da causa negra na contra a escravidão, alem de outras citações , a cognominação Zumbi Sergipano.

Dentre os companheiros de João Mulungu, no ato da revolução escrava em Sergipe, destaca-se; Manoel Jurema, Pedro Quirino, Galdino, dentre outros.

Acredita-se que desde os anos 60 que João Mulungu fazia parte dos grupos revolucionários, tendo em vista que Laranjeira era tida como o berço das idéias progressista e revolucionarias de Sergipe, palco, portanto, da difusão de depoimentos humanista e de ação liberais como a pratica de Sergipe, proveniente de diversas tribos e nações i nações, combinadas com as pressões internas a favor do abolicionismo, no apartheid imposto pela igreja através das irmandades.

O quilombo predatório ou de estrada, como de estratégia externa dos antigos quilombos africanos, foi o instrumento mais utilizado por João Mulungu, pois a intinerancia se via contra os batalhões da policia em perseguição constante.A tônica libertaria como objetivo meta, propiciou em diversos levantes, liberdade através das fugas e milhares de escravos, alem de fortalecer contingente em todos os municípios e Sergipe,como ponto de abrigo e apoio estratégicos.

Ao longo de sua trajetória, a frente da revolução escrava, sua liderança foi sempre contestada pelo sistema e pelo poder, que sempre se esmeraram para tê-la como troféu, na batalha de manutenção do poder.
Suas técnicas, amplamente identificadas e utilizadas pelo sistema, contra opositores e após a execução dos atos, declinavam a autoria de João Mulungu, foi assim por muito tempo que o governo provincial, deu combate aos seus opositores políticos.
Por traição de um dos escravos da Flor Roda, de nome Severino, João Mulungu foi capturado, coincidentemente, nas terras do engenho em que nasceu e evadiu-se, quando descansava com seus companheiros a sombra dos bananais, as 12:00hs. Do dia 19 de Janeiro, em Laranjeiras e imediatamente conduzido ao Quartel de Divina Pastora sob a guarda do capitão João Batista da Rocha Banha, comandante da diligencia.
No afã de notoriedade e na pressa de divulgar o ato e sobressair no cenário nacional, o governo provincial dava dimensão ao caso em seus Relatórios e Assembléia Provincial, de 01 de janeiro, fevereiro e março, chegando a afirmar em relatório de março que... Pode ter 25 anos, mais ou menos, é crioulo de estatura regular, e como bem o qualificam “um pouco ladino e insinuante, resignado hoje com a sua sorte, preferindo contudo ser enforcado em praça publica a voltar para a casa do seu senhor”.
Em outro documento próprio governo afirma que João Mulungu...”o mais forte elemento da resistência, o quilombola João Mulungu, e todos dizem ser o mais audaz, o chefe dos escravos fugidos, foi capturado no dia 13 de Janeiro do corrente...”
Efetivamente o presidente da província, João Ferreira de Araújo Pinho, iniciou toda uma manipulação em torno do nome de João Mulungu, divulgando sua morte, quando na verdade desde 1835 não poderiam mais enforcar escravos no Brasil e diversos documentos, mesmos confusos, demonstravam que ate dezembro, João Mulungu estava vivo sendo transferido de cadeia em cadeia, inclusive condenado a um ano de galé, enquanto seu companheiro Manoel jurema era condenado a uma pena máxima, efetivamente, João Mulungu, foi uma presa preciosa nas mãos do governo que querendo mostrar serviço, declara extinto os quilombos em Sergipe, com a prisão e morte de João Mulungu, o que na pratica só fez retroceder a ação tendo em vista as manifestações isoladas de diversos grupos em toda província ate o alvorecer de maio de 1888.
A prisão de João Mulungu e seu confinamento histórico, só serviu de instrumento para promoções das autoridades que serviam o sistema e tinham no maceramento do negro sua meta de vida. A luta do negro Sergipe, na busca da liberdade e contra a escravidão, foi uma das mais tenaz e feroz do Brasil como também feroz foi a escravidão, onde os delírios dos senhores, tornavam a escravidão, ou seja, os escravos passiveis de qualquer penalidade, pela violência praticada Paradoxalmente diversos senhores de engenho, davam guaridas aos quilombolas alem de praticarem abertamente o trafico interprovincial de escravos reclamados pela justiça.
João Mulungu, marco da resistência negra em Sergipe, simboliza as aspirações democráticas dos sergipano, independente da raça e/ou posição econômica.Herói Negro Sergipano, cristalizando os anseios da liberdade do povo brasileiro em todos os momentos em que a opressão determina a ação e o comportamento dos homens. Lutou, não pela liberdade de seu povo, seu nome em Laranjeiras em Sergipe e no Brasil deve ser tão respeitado e reverenciado como tantos outros Heróis que deram sua vida pela liberdade de sua gente, dentre eles:


Zumbi Lucas Dantas Manoel Balaio
Chico Rey Ambrosio Isidoro
João Candido Manoel Congo Luiz Mahim
Zeferina Pedro Cosme etc.....

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