domingo, 21 de dezembro de 2008

JORNAL A VOZ DO MUNICIPIO - 1990




PROJETO RECONHECE HEROI E INSTITUI
CONSCIÊNCIA NEGRA Clarêncio Fontes

O Prefeito Municipal, Antonio Carlos Leite Franco, encaminhou a Câmara de Vereadores mensagem em que submeteu a apreciação da edilidade o Projeto de Lei No. 04, de 01 de Agosto de 1990, reconhecendo Herói Negro de Laranjeiras João Mulungu, concomitantemente instituindo o dia 19 de Janeiro como “Dia da Consciência Negra Laranjeirense”. No teor do referido projeto lemos que essa figura quase mística, um símbolo de uma época e que perdura, teve real apresentação e importância na luta contra o cativeiro e na libertação de sua raça no Estado de Sergipe Por outro lado, no que se refere a fixação da data comemorativa, reminescente, o 19 do primeiro mês do engenho Flor da Roda, em Laranjeiras.

Na mensagem remetida a apreciação dos vereadores, o prefeito diz que trata-se de resgatar o nome de João Mulungu do ostracismo que vem varando os tempos desde século passado, quando o personagem em apreço destacou-se no cenário das lutas liberatórias da Raça Negra em nosso Estado, reconhecendo no vulto o mais expressivo defensor dessa causa. Justificando-se a iniciativa do projeto, em si mesmo, pelo relevante papel que Laranjeiras, através dos seus filhos, desempenhou embates pelos ideais anti-escravagistas.

João Mulungu (árvore de flores vermelhas, diz o dicionário) e filho de Laranjeiras, nascido nas senzalas do engenho Flor da Roda, no ano de 1851 (presumivelmente), escravo da propriedade de João Pinheiro de Fraga. E “A sua ação de homem consciente da condição humana na luta pela dignidade própria e dos demais escravos, não esmoreceu no afã de libertar os irmãos de cor da escravidão que era a pratica dominante do poder econômico sobre uma classe vilipendiada, a dos escravos”.

E prossegue a mensagem do Executivo, justificando: “...Líder de grande poder combativo, mobiliza toda a Província de Sergipe Del Rey para luta pela libertação dos escravos, um corajoso grito determinante na busca da condição do estado do homem livre da sedimentação democrática...”

“...Considerado memória viva de nossa historia o Herói Negro nos aparece como símbolo de ligação do negro do passado ao do presente em emulação constante ao negro do futuro, audaz e inteligente, força viva e inquebrantável do nosso conceito de liberdade, notabilizado pelos ingentes esforços da Casa de Cultura Afro Sergipana, que tem a sua frente o esforço Severo D’Acelino, presidente e idealizador da entidade...”

“...Instituir o 19 de Janeiro, como Dia Municipal de Consciência Negra, e antes de tudo estabelecer o poder de pensar e de rebelar-se contra qualquer ideal de submissão do povo que construiu a custa de humilhação a terra de Condor,altaneiro manancial da cultura que empresta a Sergipe e ao Brasil, e por que não dizer ao mundo, as mais belas manifestações de luta, de força e de altivez, que são e serão legados permanente e indestrutíveis da força do nosso povo...”
O prefeito de Laranjeiras, por fim, diz que cônscio do dever que se lhe impõe a sua própria função não podia e não pode descurar-se de suas obrigações com o seu povo, protegendo-lhe as aspirações, razão porque submeteu o Projeto de lei Nº. 04 a apreciação, isntando-se, após os estudos de praxe. Aprovaram pela importância que se reveste.


EM QUE CLIMA DE MENTALIDADE NASCEU MULUNGU?


O pesquisador lembrando-nos que o preconceito racial, a segregação, o racismo, não existem somente na África do Sul, e sim em múltiplos regiões, paises, etnia, clãs e agrupamentos humanos na terra, e que tanto podem partir do branco como do negro, amarelo, etc, o apartheid, ou as discriminações, por mais veladas os sutis que sejam, precisam ser separadas, uma das condições para chegarmos a um estagio evoluído do cristianismo pratico, na busca da solidariedade. O sacrifício de heróis e mártires na luta desigual do passado, e as seqüelas, os resíduos de opressão a dignidade, a humilhação as minorias, ora desajustadas, devem servir de exemplo para a recuperação de valores mais justos e de elos perdidos na saga da dignidade.

O escravo configurava-se como um empecilho ideológico a higiene e a modernização. Discursos de diferentes procedências sociais colocavam-se lado a lado com miasmas e insalubridade. Na realidade, alem da condição escrava, o próprio hímen negro-que já havia sido excluído, por ocasião do Pacto Social implicado no Movimento da independência a composição de classes que constituiria, na visão do estado, o controle da nação brasileira-recebia conotações negativas de parte do corpo social.Escravo e negro eram percebidos, na pratica, com a mesma coisa.

O patrimônio simbólico do negro brasileiro (a memória cultural da ÁFRICA) afirmou-se aqui como território político-místico-religioso, para a sua transmissão e preservação. Perdida a antiga dimensão do poder guerreiro, ficou para os membros de uma civilização desprovida de território físico a possibilidade de se “reterritorializar” na diáspora através de um patrimônio simbólico consubstanciado no saber vinculado ao culto dos muitos deuses, à institucionalização das festas, das dramatizações dançadas e das formas musicais. É o egbé, a comunidade litúrgica, o terreiro, que aparece na primeira metade do século dezenove.

TERRITÓRIO POLÍTICO

O saber místico que constituía o ethos da africanidade (com isso também concordam e colaboram Clarêncio Fontes e Genaro de Almeida Brota, o último um pesquisador de Laranjeiras) no Brasil adquiria contornos claramente políticos diante das pressões de todo tipos exercidas contra a comunidade negra. Assim, os espaços que assim se “refaziam” tinham motivações do mesmo tempo míticas e políticas. Veja-se o caso do quilombo: não foi apenas o brande espaço de resistência guerreira. Ao longo da vida brasileira, os quilombos representavam recursos radicais de sobrevivência grupal, com uma forma comunal de vida e modos próprios de organização. Na verdade, “quilombos” eram uma designação de fora (do jargão jurídico da colônia): os negros preferiam chamar seus agrupamentos de “cerca” ou “mocambo”. E iam desde grupos isolados no interior do país até morros (dentro da metrópole carioca) ou a sítios próximos ao território urbano, a exemplo da região da Cabula, em Salvador.

Está por se pesquisar ainda, sobre circunstâncias de vida colonial, no campo étnico em Sergipe. A forma negro-social em Laranjeiras, ou social negro-sergipano, o processo de acomodação de levas e mevas ao longo das conveniência habitacionais e exploratórios econômicos no Vale do Cotinguiba, a opressão e a existência de dezenas de heróis que podem ter sobressaído menos, a ficarem apagados na memória do tempo e dos homens, mas que existiram.

À Casa da Cultura Afro Sergipana, compete mobilizar forças e energia para reverenciar os vultos do passado do negro em Sergipe. O primeiro grande exemplo está à mostra. E a atitude do prefeito de Laranjeiras é original, única no país, criando o “Dia Municipal de Consciência Negra”, como precedente a ser seguido, para conscientização de tantas outras reais e básicas necessidades à valorização do homem. Precisamos despertar a consciência para erros e injustiças do passado, para que reamadureçam na alma da modernidade, dos contemporâneos, e irmãos fronteiriços, ou vizinhos territoriais. Reverenciemos a memória de nossos heróis e mártires, e são quantos (?), à forma grandiloquente desse batavo que agora gera curiosidade e, quem sabe, controvérsia e perquirições...

Jornal a voz do município.
Laranjeiras – Sergipe
Agosto – 1990

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