domingo, 21 de dezembro de 2008

JOÃO MULUNGU E O MODELO AFRO SERGIPANO


JOÂO MULUNGU E O MODELO AFRO SERGIPANO
Severo D’Acelino

A configuração temática, remete-nos se não a revisão do contexto sobre o qual repousa a nossa ação de agentes transformadores ou nos leva a indagações acerca da formulação do próprio tema em tentar estabelecer conceitos diversos. Partindo de que a ideologia da dominação tende sempre atrasar e confundir a formação do pensamento dos dominados e que ela domina intensamente, determinando valores e impondo comportamentos, normas e moldes para os dominados reproduzirem em larga escala, copiando e incorporando os signos, tipos e símbolos da dominação como indicadores do modelo que se servir de exemplo ou normas.

Nós, os negros sergipanos, historicamente, estivemos sempre sobre dois signos de valores distintos como estrutura de poder emanador, definindo os núcleos e áreas culturais, produzindo e impondo normas de ações e procedimentos a que fomos reproduzindo sistematicamente, a ponto de confundir nossa entidade coletiva. Estes signos são respectivamente Bahia e Pernambuco. Hoje tanto a Bahia quanto Pernambuco e Alagoas, têm seus modelos próprios de ação, competindo entre si o poder de exportação no âmbito de influenciar novos valores sistematicamente renovados numa dinâmica célere que ultrapassa os novos enfoques tecnológicos.

João Mulungu, o herói negro sergipano, questionado, rejeitado por imagens distorcidas de uma recriação do modelo burguês, praticado por nós, agentes de uma cultura não de resistência, mas de dominação, é sobretudo, um herói revivido que ampliará a sombra de dúvidas os referenciais para uma revolução da filosofia do negro sergipano em busca da construção da nossa identidade cheia de hiatos e imagens distorcidas pelas constantes interferências que, nós mesmos, por comodismo, incorporamos a nossa formação e cristalizamos pela idiossincrasia desde os modelos importados no norte europeu. Como denuncia, Núbia Marques, em seu discurso aos formandos da U.F.S., até o vicinal, omitindo os limites das nossas zonas, áreas e núcleos culturais, tão cheios e tão ricos de variáveis e conteúdos distintos, costumes, tradições, formas de agir e pensar, com suas histórias, elites e conjunto organizado de idéias, técnica de subsistência, falares, etc.

Hoje não há espaço para recriações ou readaptações, quando não temos formulado e mantido o conjunto de ações que caracterizam as nossas áreas culturais, principalmente com o desenvolvimento do turismo, que hoje exige muito mais a configuração regional com a memória e imagem ancestral e a marca ou signo característico da região local, em todo o seu conteúdo, sem oportunizar as imitações a que fomos, até então, por comodismo, agentes difusores, na medida em que reproduzíamos em larga escala, os modelos dos outros e os incorporávamos como nosso, desprezando a nossa identidade social e cultural.

Exemplifica-se o modelo afro baiano, que até o mais desinformado percebe a manipulação do seu espaço, pela reação do corpo estanho à sua vida, pela invasão da privacidade.

O nosso modelo tem um arquétipo da cultura de submissão, a que temos vivido e a que temos cultuado, por comodismo, aceitando, acostumados, o autoritarismo do Estado e do governo, bem como, pela expressão do mandarinato daqueles que, no nível de poder, exercem para a manutenção cristalizadora do esmagamento cultural dos que, na periferia do poder, produzem sem, contudo, se prevalecer, os parias da ideologia do vilipendio.

Nós, os negros sergipanos, e a burguesia de Sergipe sempre estivemos a depender da Bahia e, nem mesmo assim, aprendemos, com ela, a sobreviver dentro dos nossos padrões, espelhados pelos baianos, na sua sagacidade e na cristalização de sua cultura, voltada para eles mesmos e expandidas aos demais recantos. Essa dependência histórica cristalizou-se e denuncia o imobilismo do sergipano, enquanto povo, Estado e poder.

Apesar de haver limites claros e definidos no âmbito dos nossos costumes e manifestações, o que pesa na grande carga da nossa área cultural emanada da Bahia, temos, sobretudo, identidade e personalidade cultural, mesmo omissa em nossa prática do dia-a-dia.

Exemplo histórico, vem do último quartel do Século XVI, na associação dos escravos da Bahia aos daqui de Sergipe, que foi construído o primeiro quilombo agrícola do Brasil, aqui em terras sergipanas na região do Rio Real. O célebre quilombo de Itapicuru dos Palmares, em 1601, exemplo este, marco da organização da resistência Negra em Sergipe, desvalorizada e diminuída sua importância pelos historiadores institucionais sergipanos, que atribuem ao negro o mesmo valor e importância que os dominadores atribuíam e até hoje, o negro conforme a visão do poder colonial. Este quilombo estrategicamente localizado tinha o objetivo de dar resistência contra a mobilização das tropas por terra, dificultando o acesso ás Capitanias de Pernambuco e Sergipe, bem como, dificultar o processo de colonização e, neste sentido, associados aos índios e aos franceses, os negros de Sergipe e Bahia desenvolviam uma tarefa de aglutinar os diversos negros e índios, numa área em defesa comum que após a destruição, foi retomado na Serra da Barriga com remanescentes de Itapicuru, numa demonstração de uma unidade panafricanista colocando em relevo a filosofia do coletivo acima do tribalismo étnico.

A resistência negra na Bahia é bem documentada e suas lideranças reconhecidas através de múltiplas manifestações do memorial do Negro baiano, cuja produção é assinalada continuadamente, tendo seu Arquivo Humano densamente explicitado. Em Sergipe, a presença da Bahia na luta da resistência negra, ressalta-se, também, pela presença de Antônio Pereira Rebouças, como mola mestre e delineação do aporte político á Resistência no seio do poder sem, contudo, delinear modelo.

A despeito da historiografia do negro brasileiro ter evoluído nos últimos anos, a do negro sergipano não se pode dizer que tem acompanhado, contribuindo com novas achegas, uma vez que, o pensamento dos agentes da historiografia, do Estado, continua cristalizado e parado no Século XVI, impedindo a evolução e a produção de um novo pensamento, contemplando a análise dedutiva e o reconhecimento da tradição oral, daí, em evidência, a documentação produzida pelo Estado, documentação esta, marcada pelos conflitos de interesses e pelas contradições onde o negro é visto pelo crivo da autoridade e do pensamento dominante, para o qual o negro como agente de transformação social e política, inexiste até os dias de hoje e a idéia de ter um negro no Panteão de Heróis, agita a idéia de pureza do poder, principalmente quando esse negro é apresentado por negro e que não foi adotado pelo sistema, como outros que tiveram seus serviços cooptados pelo sistema, exemplificando, o emérito Tobias Barreto, que empresta seu nome a maior comenda de Sergipe.

Neste sentido, as contribuições da Bahia á Sergipe é mesmo a dependência deste e não invalida a ruptura de nossa identidade nem a omissão dos nossos valores ou despreza do nosso patrimônio histórico, e cultural ou assinalar o nosso desenvolvimento em busca a revisão da nossa história na revisitação da nossa ancestralidade e reconhecimento do nosso Arquivo Humano, revitalização e manutenção das nossas tradições.

DOCUMENTOS
Não há lisura nos documentos institucionais produzidos em Sergipe no Século XIX, notadamente os relativos aos escravos (rebelião dos). São capciosos dúbios na redação, estilo e intenção, haja visto o conflito de interesses explicitados. A distorção vai dos Juizes aos escrivães; dos Presidentes das Províncias, aos delegados, num universo múltiplo e obscuro interesses em serem simpáticos ao poder imediato.

A Fraude é explicita e no dizer no eminente pesquisador sergipano Ariosvaldo Figueiredo, eles “carregavam nas tintas “ , talvez com o expresso interesse de maquiar os fatos, ampliando , diminuindo e omitindo, com o fio de plantar idéias, apresentando as “suas verdades “. A fraude demonstra a prática de manipulação do poder na consecução dos seus objetivos e, nisto , exemplifica a configuração de João mulungu, que até 01 de setembro de 1876, foi usado pelo poder e sistema corrupto de Sergipe, onde todos saíram ganhando com o engodo que aprontaram , até que se prove o contrário, através de documentos que ateste outra personalidade de João mulungu, relativo aos processos que lhe foram imputados, porque a pena assinada em setembro, desmoraliza-o e diminui a sua importância, ampliando mais ainda o desconforto da fraude dos poderes constituídos em fabricar eventos para distorcer a história.

A falta de documentos, leva- nos a promover a ação dedutiva numa forma de conduzir o manifesto histórico do personagem, dentro de um anverso arqueológico.

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